
Por Geovane Dourado.
Beck destruiu todas as regras. Misturou tudo: folk, country, electro, old-school rap, noise, bossa-nova, garage rock, retrô, metal, samba, soul e new wave; usou sanfona e sampleou até “Desafinado” de João Gilberto. E o mais impressionante, nada parece fora de lugar. Mr. Hansen acabou com a mesmice com uma manobra tão simples e óbvia que não se sabe como muitos artistas se esqueceram disso: ser original.
O autor do hino “Loser” (perdedor) fez uma obra de arte considerada até hoje um dos melhores discos dos anos 90. Nela, cada música acaba com as convenções pré-estabelecidas, seja na construção ou na apresentação; e tudo isso sem se levar à sério. Destacar apenas uma ou outra seria uma heresia, mas para ouvidos desavisados é recomendado iniciar a audição com as ótimas “Lord Only Knows”, “The New Pollution”, “Jack-Ass” e Where It’s At”.
2. Hotwax – 3:49
3. Lord Only Knows – 4:14
4. The New Pollution – 3:39
5. Derelict – 4:12
6. Novacane – 4:37
7. Jack-Ass – 4:11
8. Where It's At – 5:31
9. Minus – 2:32
10. Sissyneck – 3:52
11. Readymade – 2:37
12. High 5 (Rock The Catskills) – 4:10
13. Ramshackle – 5:46
14. Diskobox – 3:35
“E um dia Beck chegou e acabou com tudo. Com essa bobajada de rock alternativo, com essa corja de bandinhas de nomes espertos, com essa chatice de guitarras que não querem dizer nada e com a inútil avalanche de vocais roucos e pseudônimos”.
Por agvmagalhães.
O dia está negro hoje. Amanheceu e sinto que o sol não manda seus raios com a mesma avidez que o faz todos os dias. Parece que ele se levantou sem querer acordar, como se tivesse sido ordenado por um rei em algum lugar. Esse rei não tem culpa, só está fazendo seu trabalho. Olho pela janela e vejo pessoas com ombros encolhidos e braços cruzados, mas é de manhã! Elas deveriam estar de braços abertos e a abraçar o sol com aquele bom dia que recebemos diariamente. Mas as pessoas não estão tristes, vejo sorrisos em suas faces. Tenho certeza que o problema é com o sol. Talvez ele tenha perdido um grande amigo, que te dava bom dia todas as manhãs, que tinha prazer em vê-lo abrir os olhos. Uma pessoa que não conseguia dormir se alguém estivesse prestes a acordar, que não sorria se tinha alguém triste do seu lado. Alguém que não aceitava andar em frente se via alguém no seu caminho com um problema. E como era fácil resolver os problemas... Alguém com um coração que não cabia no peito. E infelizmente esse coração parou. Grandes corações não poderiam parar, há algo de muito estranho nisso...
Pensando melhor, percebo outra possibilidade de entender o que se passa. Talvez o sol não esteja triste. Ainda melhor, talvez esse seja um dos dias mais felizes de sua vida. Talvez ele tenha tirado esses primeiros minutos da manhã para abraçá-la (sim, essa pessoa era uma mulher, a mais forte que já existiu, e que tinha um peito estufado por não caber seu coração ali), como nunca tinha abraçado antes, de perto, e sentindo queimar por dentro, esqueceu de tudo em volta. Talvez ele esteja radiante de alegria, e durante um bom tempo, os primeiros minutos da manhã serão mais frios, porque se ausentará para abraçar alguém que sempre esteve em pé quando abria os olhos. E assim os dias serão mais claros, mais lindos, porque trabalhará extremamente feliz por ter recebido aquele abraço, que injustamente muitos não receberam. Os pores-do-sol terão uma beleza incomum, estonteante, e assim agradeço a ela por ter me proporcionado tudo isso, mesmo que agora não possa mais vê-la, mesmo sabendo que está do meu lado, mesmo sentindo-a.
E então nossa amiga está longe. Foi para que os inícios de manhã ficassem mais frios, e assim consigamos dar valor ao nosso amigo lá em cima, por quem ela tanto prezava; para que as manhãs e tardes sejam mais lindas, todos os dias, e para que não houvesse mais palavras para descrever os pores-do-sol que aconteceriam daqui para frente. Ela foi feliz, deixando a vida de todos, até de quem não a conheceu, mais bela. E sorri agora pela manhã, dizendo que está tudo bem como sempre esteve.
À Valdeci Vieira Matos, “tia Titi”, a melhor amiga do sol.
Estive pensando em algo que acredito que todo homem se depare um dia: na complexidade do ser humano. O pensamento inicia-se (isso mesmo, por conta própria) enquanto lavava pratos. Divagava sobre o quanto é fantástica a diversidade dos exemplares e a profundidade de cada um deles. Durante a reflexão, uma idéia se sobrepôs: o homem vive para relacionar-se. Se notarmos bem, todos (não digo a maioria, digo TODOS) os nossos objetivos são resumidos em uma expectativa de sentimento alheio, mesmo que este desconheça a ação ou o sujeito que a realizou. Nossas alterações de humor também se resumem ao relacionamento e dependem de um outro espécime. Aí me pergunto: poderia um humano viver sem um semelhante ao seu lado? Conseguir relacionar-se com o ambiente, e construir uma relação consigo mesmo que satisfaça o seu “objetivo” existencial? E por que chegamos onde estamos?
A partir do momento em que afirmo que a raça humana tem como objetivo instintivo o relacionamento, todo o resto parece inútil. Em toda a história a direção para onde apontamos e o caminho que traçamos parecem apenas um amontoado de futilidades e a construção de interesses de um ser ou grupo mais evoluído mental ou fisicamente. Este desenvolvimento, que é o mesmo que dá o controle, não pode ser considerado como objetivo da nossa espécie, assim como atribuímos às outras o objetivo da procriação. A partir do momento que possuímos um lado cognitivo desenvolvido precisamos saciá-lo. E assim, além de procriar para perpetuar a espécie, necessitaríamos de nos relacionar para saciar nossa aquisição evolutiva.
O desenvolvimento cognitivo, permitido evolutivamente à nossa espécie não conseguiu ainda – claramente - anular características instintivas, mas não consigo negar a possibilidade de haver um homem que consiga fazê-lo, já que estamos em constante processo evolutivo. Sobra ainda a mim, a contínua incerteza do objetivo humano, apesar da proposta acima. De todas as incertezas resta-me uma convicção: preciso lavar mais os pratos.
Segundo romance escrito por Charles Bukowski, "Factótum" (1975) conta mais uma vez a história de Henry Chinaski, uma espécie de alter ego do autor. Um livro compacto e com uma linguagem bem simples, seria uma ótima opção para um primeiro contato com suas obras.
Escrevendo de uma forma bem vulgar e direta, Bukowski desconstrói aquela história romântica que possui um final feliz e que todos sonham. Com uma mistura de fracasso e solidão, o realismo envolve o livro e conta a história do "loser" - atribuição do senso comum por não ter emprego, esposa ou filhos; passiva de análise - Henry Chinaski, durante a Segunda Guerra Mundial. Passando por várias cidades, empregos e mulheres com uma superficialidade impressionante, Chinaski constrói o enredo. Alternando entre descrições diretas e mensagens profundas, Bukowski encanta os que não o desprezam por sua vulgaridade. O "velho safado" ainda assusta a alguns.
“Deitei na cama, abri a garrafa, dobrei o travesseiro nas costas para ter um bom apoio, respirei fundo e sentei na escuridão olhando a janela. Era a primeira vez que eu estava sozinho em cinco dias. Eu era um homem que se fortalecia na solidão; ela era pra mim a comida e a água dos outros homens. Cada dia sem solidão me enfraquecia. Não que me orgulhasse dela, mas dela eu dependia. A escuridão do quarto era como um dia ensolarado pra mim. Tomei um gole de vinho.”
“Como, diabos, pode um homem gostar de ser acordado às 6h30 da manhã por um despertador, sair da cama, vestir-se, alimentar-se à força, cagar, mijar, escovar os dentes e os cabelos, enfrentar o tráfego, para chegar a um lugar onde essencialmente o que fará é encher de dinheiro os bolsos de outro sujeito e ainda por cima ser obrigado a mostrar gratidão por receber essa oportunidade?”